
Becoming, a autobiografia de Michelle Obama (2018, Penguin Random House), documentário baseado em seu livro, mostra uma abordagem menos intimista, mas extremamente interessante
O documentário sobre a vida da ex-primeira-dama, com o mesmo título, mas que dista muito da abordagem intimista oferecida na versão escrita. Essa nova nuance, um dos acordos com a documentarista Nadia Hallgreen, consistiu em que não gravasse quando suas filhas Sasha e Malia estivessem em casa, por isso ambas fazem apenas breves aparições no filme. Barack Obama, por sua vez, não está entre os entrevistados. Assim, essa narrativa de 89 minutos e com trilha sonora de Kamasi Washington, o considerado novo messias
Fazer um documentário sobre Michelle Obama não se poderia limitar a uma conversa diante da câmara, uma chávena de chá e um álbum de fotografias. A descontração e espírito aberto da ex-primeira-dama dos Estados Unidos simplesmente não combina com grandes formalidades - ainda que ao lado do marido, enquanto Presidente, ela tenha experimentado todos os ambientes formais. A mulher no centro de Becoming: A Minha História (Netflix), de Nadia Hallgren, é fonte de inspiração para plateias gigantescas, como se vê pelas imagens da digressão do seu livro de memórias que o documentário acompanha, mas são sobretudo os jovens que veem nela a mensagem de esperança fundamental para se manterem resistentes face à realidade da América trumpista.

Becoming parte do contexto dessa digressão, como se seguisse os passos de uma rock star nos bastidores, e conta a história de Michelle Obama através de excertos das entrevistas que tiveram lugar em várias cidades, conduzidas por personalidades como Oprah Winfrey, Gayle King, Reese Witherspoon ou Stephen Colbert. Aí dá-se a conhecer a criança que cresceu num bairro de Chicago, no seio da classe trabalhadora, a aluna do quadro de honra e a jovem que mostrou desejo de ir estudar para a Universidade de Princeton, sendo desencorajada pela própria orientadora vocacional que declarou, nestes termos: "Não me pareces material de Princeton"... Escusado será dizer que este episódio não a demoveu. Foi ali mesmo que ela se formou, seguiu depois para Harvard e começou a exercer advocacia. Por outras palavras: bofetada de luva branca.
Vale a pena lembrar que a narrativa de Michelle é também "a" narrativa afro-americana na qual muitos se reveem. O documentário aponta para essa especificidade que moldou a sua experiência enquanto primeira-dama, e o antes e depois, desde logo evocando-se o comportamento perverso da imprensa durante a primeira campanha presidencial de Barack Obama, em que a postura dela foi alvo constante de escrutínio maledicente. Ele, Barack, dá aqui o ar de sua graça, mas apenas para oferecer um ramo de flores à mulher numa das entrevistas em que ela descreve o primeiro telefonema dos dois ou fala do primeiro encontro. Se dúvidas houvesse, o momento agora é dela.
Os olhos são a chave. Michelle faz questão de sublinhar a importância de se olhar nos olhos das pessoas. E essa atenção pelos outros - que não é vã nem se confunde com estratégia de imagem pública - é particularmente notória quando vemos a chefe de gabinete, o guarda-costas e a estilista pessoal serem destacados no documentário como figuras essenciais no seu quotidiano e, acima de tudo, como amigos. A informalidade dela, o jeito para quebrar a etiqueta é o coração e dinâmica de Becoming. Talvez mais do que um filme centrado em Michelle Obama, este seja um apelo à América "decente", palavra de peso no discurso da anfitriã.
Referência: https://brasil.elpais.com/cultura
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