Apesar de terem se passado cerca de 60 anos, o caso de Emmett Till ainda paira na memória dos negros estadunidenses e da toda uma geração moldada na luta pelos diretos civis. Sua morte mudou os EUA e iniciou todo o processo de mobilização em torno dos direitos civis.
Histórico
Em agosto de 1955 no Mississipi, dois homens brancos, J.W. Milam e seu meio-irmão Roy Bryant, torturaram e assassinaram Emmett Louis Till, um rapaz negro de 14 anos, por ter supostamente assobiado para a noiva de Bryant, Carolyn, de 21 anos, enquanto ele estava um uma loja comprando chiclete. O primo de Emmett, Wheeler Parker, que estava com ele na loja, confirma o assobio do garoto, mas alega que não fizeram nada para a mulher.
Naquele momento, em que o sul dos EUA ainda era extremamente racista, onde a violência era tão cotidiana quanto aceitada, Bryant e Milam alguns dias mais tarde, em 28 de agosto de 1955, sequestraram o jovem Emmett Till. Colocaram-no na parte traseira da caminhonete e o levaram para um galpão na cidade vizinha Sunflower County, onde o espancaram quase até a morte, arrancaram-lhe um olho e lhe deram um “tiro de misericórdia”. Um descaroçador de algodão de 30 quilos foi amarrado ao pescoço de Till com arame farpado e em seguida lançado ao rio local, o Tallahatchie. O casal Roy e Carolyn eram donos do Mercado de Carnes e Comestíveis Bryant.
Três dias depois, o cadáver inchado e desfigurado foi encontrado. Os irmãos assassinos e a polícia tentaram convencer a população que não era Till, que ele havia retornado para Chicago após as ameaças de Roy e Milan. As graves lesões tornaram a identificação do corpo de Emmett muito difícil, mas ele acabou sendo reconhecido graças ao anel que usava e que tinha sido de seu pai. Os irmãos Bryant foram acusados formalmente pelo assassinato e presos.
O conjunto de jurados de Sumner, composto em sua totalidade por homens brancos, demorou apenas uma hora para dar seu veredicto: absolvidos de todas as acusações. Com a proteção legal de não poderem mais ser julgados pela mesma causa, a revista Look pagou a J.W. Milam e Roy Bryant, cerca de 4 mil dólares para que contassem a verdadeira história. Os irmãos confirmaram em detalhes o crime e afirmaram não ter tido escolha diante da situação.
Velório aberto

O corpo de Till foi colocado num caixão simples, feito de pinho que é um material de fácil degradação, para ser enterrado, mas sua mãe, Mamie Till Bradley, queria que o corpo voltasse para Chicago e se recusou a permitir o enterro no Mississipi. Já em Chicago, o caixão não podia ser aberto devido ao estado do corpo. Após muita insistência da mãe do jovem, o caixão permaneceu aberto durante o velório: "Eu quero que o mundo veja o que fizeram com meu bebê".
Seu assassinato foi um catalisador para o Movimento de Direitos Civis americanos, meses antes do boicote aos ônibus de Montgomery, após a prisão de Rosa Parks, que disse em uma entrevista na época: “Eu penso em Emmett Till e sei que não posso voltar atrás”.
Durante o julgamento, Carolyn Bryant testemunhou que Emmett "a tinha agarrado e a ameaçado verbalmente”. Ela disse que, enquanto ela não conseguia pronunciar a palavra "impronunciável" que ele usara ... "ele disse [que tinha]" feito alguma coisa "com mulheres brancas antes". Seu testemunho segundo o juiz não era relevante para o assassinato de Emmett, porém foi ouvido pelos espectadores da corte e colocado no registro porque a defesa queria usá-lo como provas em caso de recurso se os réus passaram a ser condenados.
Embora sempre se acreditasse que Bryant e Milam, agora mortos, agiram sozinhos, novas evidências, muitas delas propiciadas por um recente documentário sobre o caso de autoria de Keith Beauchamp, indicam que vários outros indivíduos poderiam estar envolvidos, alguns ainda vivos, inclusive testemunhas disseram ter visto Carolyn na caminhonete quando o menino foi raptado. Ela negou qualquer envolvimento. Dois anos depois, o FBI e os procuradores do Mississipi encerraram definitivamente o caso, por "falta de provas suplementares".
Quebra do silêncio

No entanto, agora, Carolyn Bryant quebrou seu silêncio de décadas. Em um novo livro O sangue de Emmett Till, o autor Timothy Tyson, um estudioso da pesquisa da Universidade Duke, revela que em 2007 Carolyn, aos 72 anos, admitiu que ela havia inventado a parte mais condenatória de seu testemunho. "Essa parte não é verdade", disse Carolyn a Tyson sobre sua alegação de que Emmett fez avanços físicos e verbais em sua direção. Convenientemente, de acordo com Vanity Fair, ela disse que ela não conseguia lembrar o resto do que aconteceu naquela noite de agosto na loja.
Tyson disse que Carolyn foi mudada pelos avanços sociais e legais que envolveram os direitos dos negros e que varreram o Sul nas últimas décadas. "Ela estava feliz por as coisas terem mudado [e ela] achava que o velho sistema de supremacia branca estava errado, embora ela tivesse tomado mais ou menos como normal na época", acrescentou.
Realidade brasileira
Isso diz muito da naturalização que existe ainda hoje entorno da morte e encarceramento dos jovens negros no Brasil. Não é nada comum que cerca de 40% dos presos estejam lá sem julgamento e que a probabilidade de um jovem negro ser preso, mesmo que sem provas, seja 70% maior do que a probabilidade de um jovem branco receber o mesmo tratamento. A naturalização deste tipo de situação deve ser debatida pelo conjunto da sociedade, mas infelizmente se encontra somente nos círculos de debate dos diretos humanos e de associações que lutam pelo fim da violência contra os jovens negros no Brasil e no mundo.

A morte de Emmett Till não pode ter sido em vão. No ano passado, uma placa colocada no rio em que Emmett foi encontrado que conta sua história foi vandalizada com quase 60 tiros. Enquanto isso a placa que mostra a antiga localização da casa de J. W. Milem segue preservada e foi adornada com flores.
Como naquela época, a luta pelos direitos civis plenos para os negros não pode ser deixada para trás. Devemos organizar fortes campanhas contra a mortes do e encarceramento dos jovens negros, de maneira a exigir do estado não apenas a liberdade imediata dos presos sem julgamento, mas também que esses jovens sejam julgados por um júri comporto por seus pares, ou seja, integrantes da comunidade em que vivem.
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