A capital futurista com avenidas largas e arquitetura moderna completa 55 anos. Conhecida como um dos marcos do urbanismo no século 20, Brasília se transformou nesse pouco mais de meio século de vida, mas ainda chama a atenção pelos prédios públicos, projetados por Oscar Niemeyer, e pelos grandes espaços verdes
A Agência Brasil procurou ouvir arquitetos, urbanistas, especialistas em patrimônio e pensadores da cidade para saber que desafios se impõem a essa cidade que é Patrimônio Cultural da Humanidade. Para muitos entrevistados, Brasília é uma cidade viva, ainda em construção.
“Brasília é a cidade-símbolo da nossa capacidade
criativa. É a maior realização do povo brasileiro. Brasília é muito ligada à
ideia de poder, de centro das decisões. Mas existem pessoas aqui, do meio
cultural e artístico, que querem dissociar essa Brasília da ideia de poder.
Mostrar que é uma cidade que tem vida, arte, poesia, literatura. Não é só a
Praça dos Três Poderes”, destaca o poeta cuiabano Nicolas Behr, radicado em
Brasília desde 1974 e autor de cinco livros sobre a capital federal.
A cidade que nasceu da ousadia de Juscelino
Kubitschek e do trabalho de milhares de candangos (operários vindos de todas as
partes do país) cresceu e hoje tem pela frente desafios inerentes aos grandes
centros urbanos. O crescimento desordenado, o transporte público ineficiente e
os congestionamentos devido ao grande número de carros são alguns desses
problemas.
Plano Piloto agigantado
Em 1957, no edital do concurso para a construção da
capital, previa-se que o Plano Piloto (região central da cidade) deveria
abrigar até 500 mil habitantes. Atualmente, o Distrito Federal é composto por
31 regiões administrativas com cerca de 2,8 milhões de habitantes. “Hoje,
Brasília é a quarta metrópole brasileira. Em 55 anos, Brasília saiu do zero
para quase 3 milhões de habitantes em todo o Distrito Federal. Esta é a
Brasília toda. É todo o Distrito Federal”, disse Carlos Madson, superintendente
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Distrito
Federal.
Nicolas Behr vê a área como uma grande Brasília e
as regiões administrativas como superbairros. “Defino o Plano Piloto como o
centro histórico.”
Há
30 anos na capital, a jornalista amazonense Conceição Freitas, titular da
coluna Crônica da Cidade, no jornal Correio
Braziliense, vai além e acredita que o 1,1
milhão de pessoas que moram no Entorno do Distrito Federal, composto pelos
municípios de Goiás, também podem ser consideradas brasilienses. “Elas também
fazem parte da área metropolitana de Brasília, porque vieram para cá por esse
desejo de participar dessa prosperidade”, destaca.
Para ela, o mais importante hoje é garantir
qualidade de vida a todos. “Precisa democratizar a qualidade de vida, que não é
só o Plano Piloto, os lagos [Sul e Norte]. Brasilienses somos todos nós.”
Para o poeta Nicolas Behr, os criadores de Brasília
não imaginaram que a cidade ia virar a metrópole que é hoje. “Virou um polo de
desenvolvimento e atração. Mas a falta de um transporte público digno é uma
coisa a se pensar porque está comprometendo a qualidade de vida, a mobilidade
urbana. É uma situação que o brasiliense tem que enfrentar e não enfrenta. A
solução deve ser coletiva. A cidade foi criada para o carro e não para o
pedestre”, constata Behr.
“Sem mobilidade urbana, sem modos de ir e vir
democráticos, acessíveis, rápidos, você inviabiliza qualquer cidade”, completa
Conceição.
A área cultural também merece atenção. “É uma
cidade que tem uma efervescência cultural fortíssima, mas não tem base para a
criação”, diz o jornalista e poeta TT Catalão que chegou à cidade em 1972.
Catalão é um dos criadores do Espaço Cultural 508 sul, conhecido como Espaço
Cultural Renato Russo. “Está fechado, inclusive. A ideia de quando se criou o
espaço era ter um em cada cidade. Teria uma espécie de centro cultural, um
espaço de convivência, que oferece equipamentos para que as pessoas façam
exposições ou oficinas. Isso é paupérrimo em Brasília, muito pobre”.
Catalão acredita que a população vem criando meios
para se expressar e produzir cultura. Ele ressalta também a desigualdade na
distribuição de equipamentos e materiais para a produção e exibição
cinematográfica na cidade, por exemplo. “Não há equipamento cultural
distribuído na cidade com justiça. É uma coisa concentrada no Plano Piloto.”
Mais desafios
E os desafios não param por aí. A cidade planejada
precisa buscar um equilíbrio entre o crescimento e a preservação, acreditam
especialistas. Brasília foi reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade,
em 1987, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco). No mesmo ano, a cidade foi tombada pelo Distrito Federal e,
em 1990, pelo órgão federal de preservação, o Iphan.
O historiador da superintendência do Iphan no DF
Thiago Perpétuo conta que Brasília tem um tombamento específico que visa à
manutenção de características fundamentais da cidade. Ele lembra que a capital
federal é a primeira cidade modernista tombada e listada como patrimônio da
humanidade. "A intenção [do tombamento] é você manter as características
que distinguem esses objetos, mesmo que sejam objetos ultra complexos como
cidades, manter essas características perenes, de maneira que elas possam ser
fruídas por gerações vindouras.”
Hoje, a área tombada pelo governo vai além do Plano
Piloto e passa também por regiões como a Candangolândia e o Cruzeiro. Mas o
historiador destaca a existência de desrespeitos ao tombamento. “Um dos
exemplos que talvez seja mais marcante é a insistência de alguns condomínios,
blocos, de fazer ocupação irregular dos pilotis. Esse trânsito livre sob os
edifícios é uma característica que distingue Brasília de todas as outras
cidades do mundo”, destaca.
Função social do espaço urbano
Os chamados “puxadinhos” nas áreas comerciais –
invasão de áreas públicas feita por comerciantes locais – também chamam a
atenção. “As pessoas invadem mais do que elas podem, elas descaracterizam as
edificações. Então é uma luta constante para sensibilizar os proprietários para
que eles se enquadrem na norma de maneira que este bem, que é um bem de todos,
seja preservado.”
O superintendente do Iphan no DF,
Carlos Madson, lembra que Brasília tem problemas característicos dos grandes
centros urbanos e que a preservação tem que estar associada também à qualidade
de vida da população. “Nossa preocupação em preservar Brasília não é só
estética. É uma questão de qualidade urbana. É o que apregoa o Estatuto das
Cidades. O espaço urbano tem que cumprir uma função social. Prestar serviços
adequados aos seus moradores, segurança e outras séries de questões que temos
que tratar. O patrimônio é um dos aspectos a se cuidar”, destaca.
Fonte: EBC