quarta-feira, 19 de março de 2014

Patativa do Assaré e “O Boi Zebu e as Formigas”, o seu poema de cunho social e político



A abordagem ao poeta Patativa do Assaré e a sua inigualável obra, leva de imediato ao seu poema mais famoso, “A Triste Partida”, musicado pelo Nordestino do Século XX, Luiz Gonzaga e uma das mais importantes páginas do cancioneiro popular de todos os tempos

Dedicou sua vida a produção de cultura popular (voltada para o povo marginalizado e oprimido do sertão nordestino). Com uma linguagem simples, porém poética, destacou-se como compositor, improvisador e poeta. Produziu também literatura de cordel, porém nunca se considerou um cordelista.Patativa do Assaré, nasceu Antônio Gonçalves da Silva em 5 de março de 1909, na cidade de Assaré – CE, tendo se tornado um dos mais importantes representantes da cultura popular nordestina e, a exemplo de Luiz Gonzaga, jamais se curvou aos modismos e ao aculturamento oriundo de outras regiões do país.

Uma das suas mais representativas obras, - apesar de muito pouco conhecida, - é o poema “O Boi Zebu e as Formigas”, no qual o grupo de forró cearense “Mastruz com Leite” colocou melodia em uma das estrofes e gravou-o no final dos anos 90. No poema musicado, o próprio Patativa declama a sua obra que traz implícita a verve do poeta e a sua indignação com a opressão sofrida pelas camadas mais necessitadas da população.

Patativa do Assaré escancara a lança o seu “grito de alerta”, na última estrofe de “O Boi Zebu e as Formigas”, ao bradar:

“Neste meu poema novo
O boi zebu qué dizê
Que é os mandão do podê,
E as formiga é o povo.”

Abaixo, a íntegra do poema de Patativa do Assaré, integrante do livro “Ispinho e Fulô”, lançado em 1988.

Euriques Carneiro

“O Boi Zebu e as Formigas”

Moiadinho de suó,
Querem saber o que ele fez
Temendo o calor do só
Entendeu de demorá
E uns minuto cuchilá
Na sombra de um juazêro
Que havia dentro da mata
E firmou as quatro pata
Em riba de um formiguêro.

Já se sabe que a formiga
Cumpre a sua obrigação,
Uma com outra não briga
Veve em perfeita união
Paciente trabaiando
Suas foia carregando
Um grande inzempro revela
Naquele seu vai e vem
E não mexe com mais ninguém
Se ninguém mexe com ela.

Por isso com a chegada
Daquele grande animá
Todas ficaro zangada,
Começou a se açanhá
E foro se reunindo
Nas pernas do boi subindo,
Constantemente a subi,
Mas tão devagá andava
Que no começo não dava
Pra de nada senti.

Mas porém como a formiga
Em todo canto se soca,
Dos casco até a barriga
Começou a frivioca
E no corpo se espaiado
O zebu foi se zangando
E os cascos no chão batia
Ma porém não miorava,
Quanto mais coice ele dava
Mais formiga aparecia.

Com essa formigaria
Tudo picando sem dó,
O lombo do boi ardia
Mais do que na luz do só
E ele zangado as patada,
Mais força incorporava,
O zebu não tava bem,
Quando ele matava cem,
Chegava mais de quinhenta.

Com a feição de guerrêra
Uma formiga animada
Gritou para as companhêra:
Vamo minhas camarada
Acaba com os capricho
Deste ignorante bicho
Com a nossa força comum
Defendendo o formiguêro
Nos somos muitos miêro
E este zebu é só um.

Tanta formiga chegou
Que a terra ali ficou cheia
Formiga de toda cô
Preta, amarela e vermêa
No boi zebu se espaiando
Cutucando e pinicando
Aqui e ali tinha um moio
E ele com grande fadiga
Pruquê já tinha formiga
Até por dentro dos óio.

Com o lombo todo ardendo
Daquele grande aperreio
zebu saiu correndo
Fungando e berrando feio
E as formiga inocente
Mostraro pra toda gente
Esta lição de morá
Contra a farta de respeito
Cada um tem seu direito
Até nas leis da natura.

As formiga a defendê
Sua casa, o formiguêro,
Botando o boi pra corrê
Da sombra do juazêro,
Mostraro nessa lição
Quanto pode a união;
Neste meu poema novo
O boi zebu qué dizê
Que é os mandão do podê,
E as formiga é o povo.

Patativa do Assaré

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